Conheça a trajetória de César Maldonado, desde a luta para ingressar na faculdade, a conquista do próprio negócio e propósito de servir à medicina humanitária
A profissão que escolhemos diz muito sobre a gente. Não que o caminho até a escolha dela seja fácil, mas para alguns, essa decisão simplesmente cresce junto com a pessoa. Foi assim com o médico Cesar Maldonado. Ele não só soube desde sempre que queria fazer medicina, como também vive a profissão em sua essência, dedicando amor, carinho e cuidado para cada paciente.
De pai paraguaio e mãe brasileira, o berço do Dr. Maldonado fica bem longe daqui, na fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul com a cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Mesmo com dupla cidadania, foi em Xaxim que ele escolheu ficar, depois de percorrer outras cidades, estados e países. Mas para contar essa história, é preciso começar pelo início, quando a possibilidade de cursar medicina se tornou real em sua vida.
De família humilde e, sendo o mais velho entre seis irmãos, César sabia que teria que se dedicar muito aos estudos para conseguir aquilo que almejava. Quando completou 14 anos, passou a se interessar pela área da saúde, ao observar as dificuldades e necessidades de seus pais para resolver pequenos problemas de saúde de seus irmãos, como por exemplo, comprar medicamentos em farmácias e levando os pequenos aos médicos.
“Eu sou uma pessoa que gosta muito de ajudar, e eu percebi que, sendo médico, eu teria a possibilidade de ajudar muitas pessoas. Não é só o dinheiro que move o mundo da gente, é o amor pelo que a gente faz, tudo isso faz com que as coisas sejam mais leves”, ressalta.
Sempre em busca de conhecimento
Por ser o primogênito da família, Maldonado relata que sempre teve uma mente de adulto, principalmente pelos seus pais terem lhe dado muita responsabilidade desde cedo e que isso lhe tornou muito forte. Por isso, quando acabou o ensino médio e não pôde iniciar a faculdade de medicina, por falta de condições, ficou triste, mas não desanimou. Para não parar de estudar, começou a fazer cursos oferecidos gratuitamente pelo governo. E foi durante um dia desse curso que ficou sabendo sobre uma vaga com bolsa de estudo para cursar medicina em Cuba.
“Aí eu fui investigar a fundo e vi que realmente tinha uma bolsa de estudos em Cuba. O que eles pediam era que precisava ter notas bem altas, e como eu era muito estudioso, não tive problema com isso, juntei meus papéis e levei. Quando cheguei lá para entregar os documentos, a mulher da bolsa olhou e falou assim ‘olha, já está cheio, vai ser bem difícil para você ganhar, e também tem que comprar a passagem, que é muito cara’. Foi muito desmotivador, mas disse ‘tudo bem’, peguei minhas coisas e fui para casa”.
O primeiro ‘não’ que o levou para a realização do seu sonho só não se concretizou graças à persistência do pai do futuro médico. Ele o incentivou a tentar mesmo assim, e foi junto com ele, no último dia do prazo de inscrição, entregar seus documentos. Com um empurrão paterno e a ajuda das funcionárias, Maldonado conseguiu fazer a prova e a entrevista. Depois, mesmo com um bom pressentimento, ficou no aguardo angustiante da notícia de aprovação.
Assim como sua mãe ensinou, ele sempre teve muita fé de que iria conseguir, e no dia que seria divulgado o resultado, quando foi consultar a lista dos aprovados, foi informado de que a mesma só sairia no dia seguinte. Durante quatro dias foi essa a resposta que ele ouviu. Então, no quinto dia, decidiu que não iria, pois seria a mesma coisa. “Naquele dia acordei com um mal estar, com um aperto no peito. Aí convidei uma amiga para passear e fomos numa lan house, chegando lá encontrei uma cara que trabalhava na questão das bolsas. Perguntei se já tinha saído a lista dos bolsistas aprovados. Ele me disse que tinha saído pela manhã, e então me entregou um papel dobrado que tinha no bolso. No papel tinham sete nomes, com quatro nomes riscados, e o meu não estava riscado. Então ele me pediu se meu nome estava lá, eu disse que sim e ele me falou: ‘Então você vai para Cuba’.
Na hora eu não acreditei, fiquei apavorado, alegre, triste, inúmeros sentimentos. A primeira coisa que fiz foi correr para a igreja, agradeci e depois fui para casa. Quando cheguei minha mãe já tinha escutado no rádio e foi muito emocionante”, relata.
Vivendo em Cuba
Maldonado recebeu uma bolsa integral, que incluía, por exemplo, moradia, alimentação e materiais didáticos. Com esse suporte, em 2004, aos 18 anos, ele ingressou na Escola Latinoamericana de Medicina (ELAM), na cidade de Havana, em Cuba. Como bom aluno que foi durante todo ensino médio, na faculdade não foi diferente para o então futuro médico. “A graduação foi muito boa. Não tive muitas dificuldades porque eu era um piá muito para frente. Me dediquei 100% nas matérias, era um piá bem nerd, não saía das aulas, fazia reforço, estudava, e realmente não tive dificuldades em questão de estudo. Quando comecei a prática me apaixonei, era o que eu queria mesmo”, afirma.
Mas se os conteúdos ele tirava de letra, a prova mais difícil era a saudade que sentia vivendo na ilha caribenha. Nos dois primeiros anos, por exemplo, ele não conseguiu visitar os familiares, por conta do alto preço das passagens. Mas essa saudade também foi um combustível para que ele terminasse a faculdade com maestria. Em 2010 ele concluiu o curso e voltou para casa. Logo surgiu uma bolsa para se especializar em medicina da família, mas dessa vez na Venezuela. Mais uma vez ele embarcou, mas a crise política que se instalou no país fez ele se sentir inseguro, e um tempo depois voltou novamente.
Em busca do sonho brasileiro
Na cidade paraguaia que o viu crescer, ele começou a trabalhar como médico da família em um posto de saúde, e em outros períodos dava aula em faculdades de medicina. Foi nessa segunda atividade que, em contato com amigos do Brasil, descobriu a possibilidade de revalidar seu diploma, para poder atuar em solo brasileiro. Partiu então para uma nova fase, a de estudar em cursinho para poder passar na prova de revalidação e, após realizar sua especialização em Cirurgia Geral.
“Fiz a prova teórica em 2014 e passei. Aí fui para a segunda fase, que era a prova prática, realizada na USP de São Paulo, e passei também. Para mim foi uma vitória muito grande. E aproveitando esse meio tempo, eu fiz a prova da Residência Médica em Cirurgia Geral, que era similar, teórica e prática, e passei na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) de Campo Grande. Meu primeiro trabalho no Brasil foi como residente de cirurgia geral, mas foi puxado. Trabalhei num hospital com 20 leitos de pós-operatório e eu tinha que me virar nos 30, tinha dias que eu chorava porque via pacientes morrendo e não podia fazer nada”, explica Maldonado.
Preconceito na residência
Ainda na residência, César vivenciou o desafio de sofrer preconceito. “Eles não me viam como brasileiro, me viam como estrangeiro, então eu era uma ameaça para eles, porque me formei fora do Brasil e eles só aceitavam quem tivesse se formado aqui. O preconceito é muito grande, e eu tive que lutar contra isso, não foi fácil. Fui boicotado várias vezes, não me deixavam entrar em cirurgias. Colegas e professores faziam piadinhas”, relata. Mesmo com todas as dificuldades, César definiu que não mudaria seu jeito de ser por conta das represálias. Ele buscou continuar a tratar bem as pessoas, evitar brigas com o objetivo de atender bem os pacientes.
“Vou para Santa Catarina”!
Enquanto estudava em Campo Grande, uma propaganda que passava na TV ficou em sua mente: “Venha para Santa Catarina, o estado que mais cresce no Brasil”. Tanto que, ao concluir a especialização, sua primeira vontade foi vir para o estado que via na telinha. Mas por um pedido de sua mãe resolveu ficar por perto, e achou um emprego em uma UTI em Ponta Porã, mas com a condição de que em três meses reconsideraria a decisão.
O período estipulado passou e ele não se sentia bem, além de não estar atuando na área que estudou, ainda estava com o salário atrasado. Partiu então em busca de novas oportunidades, pedindo para que amigos avisassem caso soubessem de alguma. Passou uma semana e um colega chamou dizendo saber de uma vaga, porém, era em outro estado, Santa Catarina. “Tô indo agora mesmo”, respondeu Maldonado.
A vaga era para a cidade de Gaspar. E nesse trajeto ele contou com a ajuda de uma ex-aluna da faculdade onde lecionava, que tinha parentes na cidade de Balneário Camboriú, disponibilizando um local para ficar inicialmente lá. Como ainda estava esperando receber o salário atrasado, Maldonado foi surpreendido numa noite com a chegada dessa mesma amiga que chegou com a passagem dele para Santa Catarina. “O mundo conspirou para eu vir para Santa Catarina. Eu falei para ela que devolveria o dinheiro e ela disse que não precisava. Então vim conhecer e aceitei o trabalho”.
Nesse início de história no novo estado, ele convidou uma grande amiga, ex-colega de faculdade, Lilian para morar com ele. Juntos, arrumaram um apartamento em Itapema e o recém especializado médico passou a trabalhar em Gaspar e também fazer plantões em outras cidades, como Canelinha, Tijucas e Porto Bello. E mesmo com toda a intensidade de trabalho e a beleza das praias do litoral catarinense, o medo de estar todo dia no trânsito fez com que ele não se encontrasse lá.
Em meio a essz sentimento de desânimo, uma notícia da necessidade de um médico cirurgião na cidade de Xanxerê lhe brilhou os olhos. Lembrou então de uma colega que era dessa cidade, e tinha feito a prova do revalida. Em contato com a direção do hospital combinou uma visita. “Pensava que ia ser no mato, pelo que me falavam do Oeste, mas cheguei e fiquei encantado. Comecei a pesquisar o que tinha ao redor de Xanxerê, e encontrei vários lugares para ir passear, cachoeiras e muitas paisagens lindas. Então decidi que era ali mesmo que eu queria ficar, e aceitei o emprego. Isso foi em setembro de 2017. Aí comecei a trabalhar e nossa, muito legal. Me pediram para fazer sobreaviso no hospital de Xaxim, vim falar com a diretora e vim trabalhar aqui também. Trabalhava nos dois lugares”.
Amor à primeira vista
É assim que o médico define o encontro que teve com sua esposa. Apresentada por uma amiga, que é tia da esposa, Maldonado não sucumbiu à dúvida quando conheceu Janaíne.
“A tia Dori, como era conhecida por mim, me falou que queria muito apresentar uma sobrinha dela, que eu ia gostar, e eu falei que um dia vamos conhecer ela então. Convidei ela para sair em Xanxerê e quando ela desceu do carro e veio toda sorridente, toda alegre, e isso é bem cultural daqui de Xaxim, as pessoas são humildes, queridas, mais tranquilas, e ela é desse jeito, despojada”, destaca. Maldonado conta que o jeito de Jana chamou a atenção e logo percebeu que a relação teria futuro. “E quando eu vi ela sorridente, e veio conversar comigo, nos cumprimentamos, alguma coisa dentro de mim falou ‘é ela que você está procurando’. Meu pensamento parou e parece que a minha vida inteira começou a passar em um filme na minha cabeça”, descreve o médico apaixonado.
Maldonado conta que eles começaram a se entender muito bem e ele começou a perceber que eram muito parecidos. Na época, Jana já tinha um filho de cinco anos, o Vitor. “A nossa vida deu tão certo que o Vitor hoje me chama de pai, não deu uma semana que eu conheci ele e ele pediu se podia me chamar de pai, por que a nossa ligação é muito grande, é uma ligação de família mesmo. Sou um pai chato, mas dizem que pai chato cria filhos bem conceituados”, expõe.
Atualmente Jana está no último ano de Odontologia e mora junto a César em Xaxim. A mudança para a cidade, de Xanxerê para Xaxim, se deu principalmente para encurtar a distância dela até a faculdade, em Chapecó, e também pelo emprego do médico na cidade. Eles também são pais do Valentim, que tem dois anos e seis meses. “O Vitor veio primeiro para me ensinar a ser pai. Só que o que eu aprendi com o Valentim é inexplicável. Ser pai é uma benção muito grande, é um ensinamento a cada dia. É como se eu tivesse nascido de novo”, detalha o pai.
Consultório
A ideia do consultório em Xaxim, no edifício Life, surgiu após o aumento na demanda de atendimentos. César já atendia na clínica de um colega uma vez por semana e notou que aumentou o número de pacientes para consultas com ele sempre permanecia lotado. “Então pensei, por que não abrir o meu consultório? Eu consigo me virar sozinho”, acreditou.
O sonho foi concretizado logo no início de janeiro deste ano e a agenda segue sempre cheia. Os atendimentos estão vinculados a convênios, Cis Amosc, SUS e pela ACIAX de Xaxim, além dos particulares. Cesar conta que adora atender os pacientes de Xaxim e região Oeste. “Alguém que mora lá no sítio e traz uma melancia para nós, isso não tem preço. Ele foi lá no sítio dele e escolheu a melhor melancia para trazer para mim. Como é valoroso isso para mim. Foi isso que me fez ficar aqui. Eu gosto muito de cumprimentar, de abraçar, chegar perto, perguntar como a pessoa está. E isso eu não vi em outros lugares”, salienta.
Medicina humanizada
Um dos maiores diferenciais do consultório e do atendimento de Maldonado é a medicina humanitária. O trato com o paciente, a calma, a escuta, o carinho e a alegria. “Quando a gente fala de paciente, a gente fala de doente. E com paciente a gente precisa ter paciência. Psicologicamente eles já estão abalados, a sensação de estar doente não é boa, é um desequilíbrio no corpo, e eles vão em procura de uma resposta a isso, de uma melhoria. Então a gente tem que dar o nosso melhor para eles, para poder diminuir pelo menos um pouco desse mal-estar que ele possa estar sentindo, ” interpreta o médico.
Muitas vezes, conforme Maldonado, não é nem o remédio a cura. Basta uma orientação, como a mudança de um alimento, para já melhorar a situação do paciente. “A medicina ultimamente está sendo levada de uma maneira muito prática, engessada. A consulta não é mais uma conversa, ela tem que continuar a mesma rotina ‘está com dor toma isso’. A primeira coisa que a gente tem que fazer quando o paciente chega é cumprimentar ele. É uma coisa tão básica, se apresentar, mas ele se sente muito mais à vontade. E depois continua com uma anamnese boa, escuta o doente, por que às vezes eles querem contar algo e o médico acaba cortando eles”, explica.
E, ao contrário do que muitos pensam, fazer uma consulta humanizada não leva muito tempo. Esse acolhimento ao paciente, como conta Cesar, é muito importante para chegar mais rapidamente a um diagnóstico e conseguir tratar. “O dinheiro não é tudo na vida. Na pandemia a gente trabalhou muito. Eu estava em outra empresa e nela a gente fazia muito atendimento domiciliar e era muito puxado. Num dia a gente ia, no outro dia o paciente não estava mais em casa, era muito triste. Foi onde eu percebi o quanto a nossa vida não vale nada, é um sopro, hoje estamos aqui, amanhã não. Por isso devemos aproveitar o máximo possível, dia após dia”, finaliza.
Médico formado pela Escola Latinoamericana de Medicina (ELAM) – Havana – Cuba. (2004-2010)
Revalidado pelo INEP na USP – São Paulo – SP. (2014)
Residência Médica em Cirurgia Geral pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS / HUMAP (Hospital Maria Aparecida Pedrossiam) – Campo Grande – MS. (2015-2017)
CRM/SC 24622
RQE 15218
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