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Yise encontrou no Brasil sua paixão profissional com a Alma Perfumaria

Idania
14 de fev de 2023

Proprietários da Alma Perfumaria em Xaxim, Yisendry e Yaniel deixaram Cuba para buscar oportunidades profissionais e uma vida melhor

 

Em 24 de junho de 2017, Yisendry Izquierdo Alvarez, pela primeira vez, colocou os pés fora de seu país, Cuba. Vestida de muita coragem e carregando apenas uma única mochila, ela embarcou em busca de uma nova vida e cheia de expectativa para reencontrar seu grande amor em terras brasileiras. A história de Yisi, como é mais conhecida, é um misto de sentimentos, batalhas e, acima de tudo, de superações. Hoje, proprietária da Alma Perfumaria e Cosméticos, em Xaxim, ela é sinônimo de alegria e empreendedorismo, fazendo o que ama, no país que ela escolheu para viver e amar.

A história de Yisi começa no município de Sandino, na província de Pinar del Río, local onde nasceu, cresceu e se formou enfermeira. Foi lá também, enquanto ainda estava estudando, que conheceu seu esposo, Yaniel Borrego Proig. “Ele estava na Universidade onde minha mãe trabalha como cozinheira. Com o ‘olfato’ de mãe, ela descobriu que ele estava afim de mim, e em casa começou a falar que ele era um piá bom, decente. Ele também foi esperto e ia conversar com ela, chamando de sogra”.

O olfato da mãe foi certeiro. Eles se casaram enquanto ainda eram estudantes, moraram um tempo na casa dos pais e depois resolveram alugar uma casa após a formatura de Yaniel. Dois anos depois, uma grande mudança aconteceu na vida do casal: Yaniel decidiu vir para o Brasil para trabalhar no Programa Mais Médicos do governo federal brasileiro, por um contrato de três anos. Uma escolha difícil, mas que poderia melhorar muito a vida dos dois.

“Foi muito difícil, mas estávamos contentes pois ele ia conhecer outro país. Em Cuba, passamos muita necessidade. Lá só consegue sobreviver de uma forma melhor quem vai para outro país para trabalhar. Aqui no Brasil o contrato era muito bom, porque eles recebiam bem, conseguiam economizar, voltavam para Cuba com mais dinheiro e tinham a possibilidade de levar um container de coisas. Então imagina, a gente já estava sonhando em comprar nossa casa. Era um sofrimento porque ele só tinha direito a um mês por ano de férias. Mas a gente já tinha matrimônio e acreditava no amor, que íamos continuar juntos apesar da distância”, lembra Yisi.

Antes de serem destinados aos municípios onde iriam atuar, os médicos cubanos passavam por um treinamento em Brasília. Durante todo esse tempo, os dois mantiveram contato, e ele foi contando sobre o município onde iria atuar: Lajeado Grande. “Ele me falou que Lajeado era um lugar bem tranquilo, que não tinha aquela violência, porque desde pequenos escutamos que os países capitalistas eram ruins, com muita violência, que não dava para sair na rua, então ficamos com medo. Mas quando ele chegou logo falou que não era assim. Ele disse que ia começar a juntar dinheiro para eu ir também, e eu fiquei muito contente”, relembra.

 

Trajetória rumo a uma vida nova

 

Para encontrar seu marido, Yisi estava decidida: viajaria até o Brasil independente dos obstáculos. Primeiro, tentou pedir permissão para vir, mas por conta de seu trabalho, onde era enfermeira-chefe de um hospital, não foi liberada. “Também, não me liberaram porque meu marido é médico, e para o governo nós não iríamos voltar. Eles sabem a realidade, pois se eu permanecesse em Cuba, era um motivo para ele voltar. Então decidi sair escondida do país”. Assim, ela iniciou sua jornada rumo a um novo mundo. Saiu de Cuba como turista, com destino à Guiana e, de lá, cruzou a fronteira de van, no meio da selva, com uma mochila e muita apreensão: caso fosse pega nessa travessia, seria deportada para Cuba e não poderia sair de lá por cinco anos. Desespero, medo, choro e uma coragem formaram a mistura de sentimentos que Yisi passou, mas sempre com algo em mente: “Quero reencontrar meu marido”. Quatro dias depois de sair de Cuba e superar todo o sofrimento do trajeto, em 28 de junho de 2017, ela colocou os pés em solo brasileiro. Ela desembarcou em Boa Vista, Roraima, sem saber uma palavra em português e, por meio de associações, ela conseguiu chegar na casa de alguns cubanos, que a acolheram até ela iniciar a segunda jornada – cruzar o norte até o sul do país. Uma semana depois, ela embarcou de ônibus até Manaus em 12 exaustivas horas de viagem. Quando chegou em Manaus, tinha que pegar um avião até Campinas e, sem saber falar português, mas com anseio de chegar logo até seu marido, foi em busca de tentar se comunicar. “Eu me virei e comecei a perguntar, achei um senhor que estava sentado, conversei com ele, ele viu meu boleto e associou o que eu precisava. Os guardas deixaram ele entrar comigo e eu entendi umas poucas palavras em espanhol que ele falou, que era boleto, televisor e que era para eu acompanhar Campinas”.

Enquanto esperava o voo, ela ouviu alguém falando espanhol, e prontamente foi ao encontro do milagroso nativo. Ele era venezuelano e estava indo para o mesmo destino que ela, São Paulo. A amizade e a confiança se estabeleceram na hora, tanto que mesmo com assentos separados no avião, fizeram uma troca para que sentassem juntos e pudessem ir conversando durante a viagem. “As aeromoças até brincavam com nós, pediam se não íamos dormir, mas a gente não entendia nada”, lembra, aos risos.

Mas ao chegar em Campinas, Yisi que saiu de Manaus com um calor insuportável, não estava preparada para o frio de São Paulo. Com apenas uma camiseta muito fina, ela começou a tremer, até que uma moça veio ao encontro dela. “Aí ela perguntou ‘tienes frío?’, e na hora eu queria morrer porque eu e venezuelano estávamos conversando sobre ela durante o voo e percebemos que ela entendeu tudo. Então falei que sim, ela perguntou se eu tinha casaco e eu disse que não. Ela se ofereceu para dar o casaco dela e eu disse que não precisava, mas ela insistiu. Pedi se ela entendia a nossa língua, ela contou que era médica e estudou na Bolívia. Até hoje eu tenho o casaco, não me serve mais, mas nunca vou me desfazer dele, porque é a lembrança de quando eu cheguei no país e é especial pois ela escolheu passar frio para me ajudar”.

 

A chegada no Oeste Catarinense

 

Em meio ao frio, a última parada antes de chegar a Chapecó demorou cinco horas. A mesma mulher que doou o casaco foi quem orientou Yisi sobre o local em que deveria esperar para embarcar. Ao chegar em Chapecó, seu marido estava esperando, e foi impossível conter a emoção. “Foi emocionante, quanta alegria. Cheguei em Lajeado e logo no outro dia ele me levou ao posto de saúde e as pessoas estavam ansiosas para me conhecerem. Depois, em casa, ainda fizeram uma festinha para me receber. Sem entender nada de português, no começo Yaniel era o intérprete e tradutor de Yisi. Mas logo, Yisi foi obrigada a dominar o novo idioma, na marra, como ela conta. “Quando cheguei, o Noeli Dal Magro era o prefeito, e a gente morava no apartamento em cima do pai dele, o senhor Mário Dal Magro. Foi a família que nos acolheu e permanece assim até hoje”.

Quando chegou aqui, um dos primeiros lugares que foi conhecer e que lhe chamou muito a atenção foi o supermercado, coisa que em Cuba não existe. “Minha primeira compra, nunca vou esquecer! Eu cheguei aqui e no outro dia meu marido me trouxe no mercado, me deu um carrinho e falou para eu colocar o que eu quisesse. Eu adoro peixe, e uma coisa que eu tinha muita vontade de comer era sardinha enlatada, que em Cuba custava muito caro. E eu me atraquei lá, peguei um de cada, comecei ali minhas compras, quando cheguei nas frutas, eu pegava com medo e pouquinha coisa, porque eu Cuba a gente não pode escolher nada.  Também peguei bolachas recheadas de vários tipos, que não comi na infância porque minha mãe não tinha condições de comprar. Nunca na vida tinha comido chocolate branco, então coloquei no carrinho também. No final minha compra deu R$ 56,75 e eu enchi o carrinho muito feliz”.

 

Os desafios de um novo país, emprego e cultura

 

Em 18 de novembro de 2019 o Programa Mais Médicos, ao qual Yaniel estava vinculado, foi encerrado. Como previsto em contrato, no dia 07 de dezembro daquele ano, ele teria que voltar para Cuba. Mas, o casal decidiu que iria ficar no Brasil. Com isso, os dois se mudaram para Xaxim em busca de novas oportunidades: ele passou a trabalhar na farmácia do Hospital Frei Bruno, e ela como cuidadora em Chapecó. Como ele trabalhava das 7h até as 19h, com folga de um dia, ele decidiu complementar a renda trabalhando como motorista da Uber em Chapecó nos dias em que não atuava no hospital.

Yisi passou três meses no trabalho em Chapecó, indo todo dia de ônibus para lá. Depois, em Xaxim, passou por alguns empregos, mas depois de uma cirurgia de retirada do útero, ela e o marido decidiram se mudar para Chapecó. “Ele deixou o Hospital e fomos para Chapecó morar para ele trabalhar por mais tempo como motorista. E, no pico da pandemia, essa foi a nossa sorte, porque todos dependiam do Uber. Moramos lá por uns quatro meses e dividimos a casa com outros quatro médicos cubanos. Quando não estava trabalhando, o meu marido se dedicava totalmente para estudar para a prova do Revalida. E valeu a pena porque ele conseguiu entrar de novo no programa Médicos Pelo Brasil, antigo Mais Médicos, no dia 24 de agosto de 2021 após ser aprovado na prova”. Yaniel voltou a trabalhar como médico em Lajeado, e o casal voltou para lá.

 

Início do sonho de empreender

 

Nesse tempo, sem poder exercer a profissão de enfermeira no Brasil, Yisi pensou em como poderia ter uma renda, e então uma amiga lhe falou sobre os produtos Eudora. Assim, ela começou a trabalhar como revendedora. “Eu comecei a vender para ver como era. No começo, eu não entendia nada de comércio e varejo, já que minha formação é em outra área”, explica.

Mesmo sem nunca ter comentado com o marido a vontade de ter uma loja, esse sentimento sempre esteve presente com ela. Até que, aos poucos, foi comentando com ele essa vontade até que foi surpreendida. “Ele me acordou um dia e disse que íamos escolher a sala para minha loja. Era uma sexta-feira, choveu muito e nós pareciamos dois loucos procurando sala. Viemos ver essa em que estamos hoje mas já estava alugada. Achamos outra, mas eu queria mesmo essa e eu fui tão insistente que acabei conseguindo ela”. Aos poucos, a loja foi tomando forma.

“Estou gostando, está indo muito bem a loja, comecei com a Eudora, Luci Luci e Gucci, hoje já estou trabalhando com outras marcas, importados por encomenda e os produtos da Brand, que tem o mesmo frasco e mesma qualidade de marcas famosas, mas por um preço mais acessível. Estou mudando e colocando marcas novas para ter um diferencial, que não tem em outros lugares. Não quero ser concorrente e que ninguém seja meu também, porque no pouco tempo de loja percebi que mercado tem para todo mundo. Eu estou aqui para satisfazer os clientes”.

O principal diferencial é que a Yisi, detalhista e determinada, estuda muito os produtos, então não é só uma compra e venda, ela te mostra e explica minuciosamente sobre cada produto. “Eu estudo muito, faço cursos e sei muito sobre cada produto. Eu invisto pois não quero que o cliente compre algo que depois não goste, não importa o preço. Quero que ele compre algo que combine e que seja uma coisa que vai usar com certeza”.

 

A alma do negócio

 

Quando foi escolher o nome da sua empresa, Yisi tinha só um critério: que tivesse o mesmo significado no espanhol e no português. Assim, surgiu Alma. “Um nome curto, lindo, com essência. Tem pessoas que me chamam na rua de Alma e é isso que eu queria, que as pessoas me identificassem com a loja”, complementa. A empreendedora explica que o conceito da Alma é comprar e aproveitar o produto em toda a sua essência. “Por isso que temos provadores, lencinhos, para que as pessoas realmente saibam o que estão levando para casa. Quero que as pessoas se sintam empoderadas usando nossos produtos. Acho que isso está fazendo a Alma ter sucesso”.

A conquista de ter uma loja própria, que Yisi nem sonhava em ter quando morava em Cuba, se tornou um sonho de toda uma família. No dia da inauguração da Alma, ela relata que foi uma mistura de conquista e emoção. E para completar a festa, em Cuba, sua mãe, família e amigos participaram do momento por meio de uma vídeochamada. “Sabe quando você está num lugar e não acredita, eu falava com os convidados e não acreditava que isso estava acontecendo. Eu não conseguia falar, só chorava. Todo mundo estava na casa da minha mãe e apareceram na ligação. Foi um momento muito especial de comemoração e felicidade”.

 

Sonhos da Alma

 

Inaugurada em julho de 2022, Yisi comenta que a receptividade dos clientes é muito boa, com vendas todos os dias e sem deixar de visitar clientes antigos e conquistar novos clientes. O sonho para o futuro é abrir muitas outras “Almas”. “Meu sonho é abrir mais umas cinquenta lojas, franquias em outras cidades como em Chapecó, Xanxerê e Pinhalzinho. Quero manter esse padrão e que a Alma não perca sua essência”, planeja Yisi.

Yaniel hoje trabalha em Saudades como Médico e Yisi segue gerenciando a loja em Xaxim. Com tantos desafios superados até aqui, essa é a hora do casal de cubanos, que encontrou no Brasil o recomeço para sua história, celebrar e consolidar o sonho de um empreendimento que tem presença e sentimento. “Nós lutamos muito. Pelo fato de eu vir da forma que eu cheguei aqui, como fugitiva, meu marido ter trabalhado de motorista, na farmácia, todos os empregos que passei e as cirurgias que eu tive que fazer. Nossa vida aqui foi sofrida, agora que nós estamos aproveitando”, finaliza.

O casal também deseja que outro sonho se torne realidade. Yisi foi impedida de engravidar, então eles entraram na fila da adoção e aguardam, ansiosamente, a chegada de um filho ou filha. “Sofremos muito preconceito aqui no Oeste. Mas eu sei que fomos corajosos e eu me valorizo e me respeito. Muitos não conhecem nossa história, os momentos em que abríamos a carteira e não tinha nada. Agora estamos felizes, vencemos. Nós estamos trazendo nossa família, está chegando minha mãe, irmão, cunhado e padrasto para morar aqui”, comemora Yisi.

Alma segue tendo o mesmo significado em português e espanhol. E, no fim, era tudo o que Yisi e Yaniel precisavam, uma mochila pequena, mas gigante em coragem, essência, persistência e amor. Sentimentos e aromas que podem ser reconhecidos em qualquer idioma e em qualquer lugar do mundo.

 

 

https://www.instagram.com/alma_perfumaria/

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